Cláudio Silveira, do DFB Festival, aborda a criação de valor através da moda autoral

Quem trabalha na indústria da moda está acostumado a ver eventos grandiosos ligados ao fashion business, ao maquinário, e mesmo com foco nos lojistas e no comércio. Já a moda autoral costuma ficar com proporções menores e receber menor visibilidade e atenção. O motivo? Um rótulo que a definia como não comercial.

Mas essa visão e lógica vem sendo contestada a 22 anos, desde que Cláudio Silveira idealizou um evento que viria a se tornar o maior festival de moda autoral da América Latina: o DFB Festival.  De lá para cá, o evento cresceu tanto em proporções quanto no comprometimento com a criatividade e a economia criativa.

“O DFB Festival é o único evento do Brasil focado em moda autoral e com seis editais públicos de participação. É muito mais que moda, pois trabalha o social, é incentivador, provocador e mexe com toda a estrutura da indústria do Estado”, declarou Cláudio, na abertura da mais recente edição do evento, que aconteceu entre os dias 25 e 28 de maio nas areias da praia de Iracema, em Fortaleza.

Para além de inspirar e colocar em visibilidade novos criadores, o Dragão Fashion vem esboçando planos de se tornar influência e referência para a moda comercial e para a indústria. E o jeanswear foi um dos pontos altos desta estratégia, ganhando espaço de destaque no pavilhão 100% Ceará. Para explicar melhor o perfil das marcas e a proposta da nova área chamamos Cláudio Silveira para uma entrevista em meio aos intervalos apressados de desfiles do DFB Festival.

Guia JeansWear: Já que o nosso foco é o jeans, é importante fazer uma apologia defendendo a importância de levar a moda autoral para a indústria, pois a maioria dos nossos leitores pertencem a esse público. Então eu começo te perguntando como você escolheu a curadoria de marcas do espaço Blue Hub, do pavilhão 100% Ceará.

Cládio Silveira: O Blue Hub, que foi o espaço que eu montei no projeto 100% Ceará, foi uma ação que fez com que eu  conseguisse fortalecer cada vez mais as pequenas indústrias do interior do estado. Lá, minha intenção não era colocar marcas locais “viciadas” no mesmo design, ou seja, que tem um trabalho diferenciado mas que ao mesmo tempo tem uma releitura. Eu queria pegar as oficinas de costura, que não tem visibilidade, mas que produzem e entregam 400.000 peças para companhias como Renner, Hering mantendo a qualidade.

Meu objetivo era fazer essas empresas aparecerem de um modo diferente. Provoquei a prefeitura, para que me indicassem dois participantes que elas achavam que poderiam estar dentro do Blue Hub do DFB, para que se apresentassem, e foi um sucesso. Estamos super felizes, em poder fazer exclusivamente com jeans, com apoio da Vicunha, que também é uma indústria basicamente cearense.

GJ: O desfile da Enel foi baseado em peças 100% upcycle. Você acredita que tem como colocar na indústria esta estratégia de desmanchar roupa e transformar em valor?

CS: Você se lembra da King? Uma marca que tinha em SP, era uma marca que eu tinha paixão. Eu viajava muito para Londres, e comprava umas calças muito loucas nessa King, e quando eu chegava em Londres todo mundo parava para me ver. E era uma marca de São Paulo.

Foi nela que eu me inspirei para que a gente pudesse criar uma coleção com identidade, que não fosse cópia da Diesel. Eu queria realmente usar as peças. E também tinha um cunho social, de cidadania, pois gerou uma atividade com a qual as pequenas produtoras da Enel, do Giro Social, puderam ganhar dinheiro desmanchando as peças, entregando pedaços de jeans, também do tecido da parte de cima do uniforme do Enel, para que pudéssemos criar a coleção.

GJ: Interessante você mencionar isso, pois vemos muitas coleções apresentando efeitos que lembram upcycle mas que não são, não tem origem verdadeiramente reaproveitada. A coleção da Enel realmente apresentou um efeito que tem a procedência do reaproveitamento. E, na minha opinião, resulta em uma peça que na moda circular não perde valor.

CS: Mas o maior barato disso tudo é fazer com que essas senhoras tivessem essa cidadania, fazer com que elas tivessem valor agregado para poder desmanchar cada peça, entregar, ganhar por isso, e jogar na mão do estilista. Tem uma parceria com uma lavanderia bacana, que é a Benatextil, para que pudéssemos fazer aquilo acontecer. E o principal, foram os dois estilistas escolhidos, o que acho que foi um grande acerto. O Bruno Olly dispensa comentários, e o Marcelo Belisário eu não conhecia.

GJ: Na sua opinião, o jeans do Ceará está conseguindo levar toda essa efervescência autoral que tem aqui para o chão de fábrica, seja ele grande ou pequeno?

CS: Com essas 10 a 15 mil pessoas que vêm aqui dentro do evento, que vem da confecção, do interior do estado, que vem em caravana, de Recife, pessoal de Toritama tenho convicção que sim. É uma galera que usa muito jeans, e na minha opinião eles ficam mais preparados para melhorar um pouco aquele produto tão básico, e isso é um movimento. Acredito que conseguimos fazer esse diferencial. Já senti essas mudanças na modelagem, em alguns elementos. O cearense é muito antenado, e gosta do que é bom.

GJ: Que recado você gostaria de deixar para a indústria no sentido de incentivar essa união entre moda comercial e autoral?

CS: Eu acredito muito na moda autoral há 23 anos e venho lutando por isso. Gostaria que todas as indústrias brasileiras que trabalham com jeanswear pensem e repensem, e abram espaço para os estilistas novos para que possam mostrar sua identidade. E para que assim, possam agregar a essas indústrias um valor autoral pois isso dá um resultado incrível. Como diretor de um evento totalmente autoral, torço para que abram-se as portas para que esses meninos e meninas possam se preparar e mostrar que eles são o futuro.

Fonte: Vivian David | Foto: Reprodução