O Inspiramais – Salão de Design e Inovação de Materiais para Moda, que há dez anos vem sendo referência para a cadeia nacional e da América Latina, realizou sua primeira edição em formato 100% digital entre os dias 25 e 27 de agosto. O evento obteve sucesso entre os visitantes com a realização de negócios e muita informação para impulsionar o processo criativo da indústria calçadista, confecção, têxtil, acessórios, bijuterias, moveleira e automotiva.
Coordenador do Núcleo de design do Inspiramais, Walter Rodrigues contou mais sobre os desafios desta primeira edição online do evento, nesta entrevista exclusiva para o Guia Jeanswear, além de apontar as principais tendências e anseios dos consumidores e o papel do denim no momento atual. Confira abaixo:

Walter Rodrigues
Guia Jeanswear: Qual o maior desafio para a realização desta primeira edição digital?
Walter Rodrigues: O maior desafio foi sem dúvida estabelecer uma percepção da plataforma em relação a ser tecnologicamente viável, ter todos os dispositivos de comunicação e fazer parte de um processo de humanização ao mesmo tempo. Então, a nossa presença online, a maneira como nós mostramos os materiais […] Nós estudamos muito essas possibilidades e, claro, que isso também impactou na adesão das empresas ao projeto e nos estimulou a pensar exercícios muito claros de como a gente deveria, inclusive, fazer a consultoria de criação de novos materiais que foi realizada de forma digital já para criar essa experiência.
A ideia era demandar, de certa forma, um novo comportamento, mas também, na maneira de demonstrar através de fotos, vídeos, estabelecendo uma comunicação com as empresas, para que eles nos showrooms deixassem muito claro não só a inovação no sentido de matéria, mas também seus aspectos técnicos, como por exemplo, se tem elastano, a lavagem, acabamento. Isto também pôde ser visualizado nas salas online e, a partir da escolha do cliente, o envio das amostras para finalizar esse processo.
Talvez um pouco mais lento do que é o presencial, mas a gente compreende que o Inspiramais daqui para frente será digital e presencial, assim que a gente conseguir estabelecer um protocolo de proteção e todo mundo se sentir seguro.
Mas, tem sido uma experiência enriquecedora para nós da equipe do Inspiramais, da Assintecal junto com os desenvolvedores da plataforma. Foi de uma riqueza imensa o aprendizado e a percepção de como a tecnologia realmente veio para melhorar a vida das pessoas e para continuar um legado de negócios e informações, que são os pilares mais importantes do evento.
GJ: O que o consumidor busca atualmente?
WR: Ao desenvolver matérias, temos em mente os consumidores do primeiro time – que são as empresas de produtos – que no Inspiramais é um leque muito amplo porque passa pelo calçado, acessório, confecção, bijuteria, mobiliário, automobilístico, chegando até na roupa dos pets. Então, a equipe de designers tem uma preocupação muito grande em rastrear informações e percepções que possam realmente inspirar as empresas a criar novos materiais condizentes a todos esses setores da indústria.
Em um segundo momento, temos um olhar mais avançado para o consumidor final para entender num contexto de mundo a confluência de artes, política, economia. O que vai afetar a escolha desse consumidor ou o que vai encantá-lo nesse momento. Nós estamos monitorando o tempo toda essa ideia de comportamento, principalmente na pandemia e o que está acontecendo, por exemplo, em relação aos impactos na venda digital, presencial, o retorno das lojas acontecendo gradualmente, procura por materiais, está tudo muito intenso.
Nós percebendo um desejo de consumo quase que de uma maneira meio impensada, mas quase como uma necessidade realmente de experimentar, de vivenciar um novo momento depois de um período tão assustador como esse que a gente está vivendo.
Nós entendemos a retomada, nós somos sempre otimistas, o Inspiramais é um lugar de inspiração, é um lugar de posicionamento de produto, de marcas que tenham uma preocupação muito grande com práticas sustentáveis e isso reflete também na escolha do consumidor. Há uma procura muito grande por materiais sustentáveis e por empresas que tenham já uma direção muito clara deste tema que é tão importante nesse momento onde a pandemia vem acelerando todos esses processos de propósito de marca, de produto. Isso traz também uma necessidade muito clara da transparência no quesito sustentabilidade.
Então, bem-estar, conforto, produtos que tenham aspectos ou acabamentos que facilitem a higienização e de certa forma, produtos que passam otimismo. É isso que os consumidores estão buscando.
GJ: Quais as principais tendências para o mercado de moda?
WR: Eu acredito que as grandes tendências vão falar claramente com os consumidores de duas maneiras muito interessantes. Dentro da nossa temática do Free Spirit, nós apostamos em um sentimento de valores seguros.
Nossa percepção em um primeiro ponto vai para consumidores que irão consumir o que é tradicional, o que está dentro da zona de conforto, ele não quer errar, quer comprar de marcas que ele reconhece, que tenham clareza de propósito, transparência, modelagem que lhe veste bem, atendimento. Ele (o consumidor) vai buscar em tudo isso um certo classicismo, vai apostar em materiais mais sofisticados que expressam valor, vai buscar a ideia da tradição a partir dos monogramas.
Entendemos que, mesmo que ele compre digitalmente, vai comprar uma marca de denim, por exemplo, que está acostumado, que já conhece a modelagem, que já tem noção clara dos propósitos da empresa. Ele não vai experimentar um novo produto, ele vai dentro daquilo considerado seguro para ele.
Por outro lado, existem outros consumidores que diante dessa aflição de ficar isolados, de estar fora do contato com a natureza, vão ter uma vontade de experimentar coisas novas, tons coloridos, expressar uma ideia de escapismo a partir da necessidade de tentar entender o que está acontecendo aqui e agora e expressar isso de outra forma, através das roupas e acessórios.
Para esse consumidor, acreditamos muito na questão das estampas, mas com um colorido que a gente está chamando de Botânica Psicodélica, que é como se a natureza tivesse reverberado em cores positivas de combinações não usuais, mas também muito verde, do aspecto de plantas. Nós entendemos também uma celebração dessa natureza pela falta de contato nesse período.
Dentro do denim, o consumidor clássico vai apostar nas modelagens favoritas, naquilo que já reconhece, num jeans com azul profundo, toque de conforto, enquanto que o consumidor que vai buscar essa experiência nova vai experimentar um produto denim que pode vir de outros já existentes como o upcycling ou efetivamente vai buscar empresas que tenham rastreabilidade e que tenham capacidade de informar de onde vem seu processo produtivo, como o algodão, o tecido, como é feita a lavagem.
Esse consumidor vai ser mais cuidadoso, mais ansioso para entender todos os processos de sustentabilidade, até porque ele é o mais impactado por todas as dúvidas que temos desse momento. No viés do núcleo de pesquisa do Inspiramais, entendemos que o nosso consumidor ideal é aquele que mixa as duas coisas: pode ter a calça tradicional do denim ou uma jaqueta feita a partir do upcycling, vai usar as cores clássicas como o bege ou mesmo o vermelho, e vai misturar com outras tonalidades vibrantes. Ele aproveita o melhor das duas correntes.
GJ: E as tendências para o segmento jeanswear?
WR: Nós acreditamos muito no segmento jeanswear, tanto que colocamos nas nossas apresentações. Nos 10% da pirâmide, estamos falando muito desse jeans que vem das empresas sustentáveis, que são transparentes no processo. E há uma pesquisa intensa de todo projeto denim no mundo para descobrir uma maneira clara e positiva de reaproveitamentos.
Estamos enfatizando esse pensamento sustentável dentro da indústria do denim que muitas vezes é condenada por causa de alguns, pelo excesso de água, pelos dejetos dos materiais nos rios, isso acaba virando uma bandeira contra todo um sistema. E a gente sabe que hoje muitas dessas indústrias estão preocupadas e estão buscando soluções para esses problemas para resolver o processo de transparência da venda de seu produto, o que eu acho extremamente positivo.
Dentro do que nós consideramos os 30% na etapa da pirâmide, estamos encantados com os processos de estamparia sobre o denim, onde são criadas possibilidades de uso modernas e interessantes, criando visuais novos e retrabalhando materiais já existentes.
E nos 60%, que é a base da pirâmide, entendemos o denim de uma forma pragmática, que vai te acompanhar o tempo todo na vida e no nosso cotidiano, com aposta nas cores escuras, quase a sua cor original, com lavagem macia, sempre valorizando o conforto e elasticidade, mas em modelagens muito clássicas e contemporâneas, sem erro, mas sempre na tonalidade mais escura, no bruto, que eu particularmente, adoro.
GJ: Quais as apostas em tecidos e aviamentação?
WR: Em relação aos tecidos, principalmente o denim com aspecto de conforto e toque macio. Ficamos um bom período em casa usando nossas calças mais velhas, nossos moletons e, com certeza todos os consumidores vão buscar esse conforto, mesmo que seja uma peça nova. Acreditamos também em processos de higienização, acabamentos onde possamos discutir em relação a facilidade de limpeza porque o jeans é um produto que realmente usamos o dia inteiro, vamos para todos os lugares e essa ideia da higienização dele é um grande desafio até para não gastar água.
No caso dos aviamentos, temos várias propostas desde a ideia da opulência que seria trabalhar uma etiqueta mais vistosa com dourados, apliques, cristais. Tem ainda um caminho muito firme e forte dentro do denim que é o clássico western e a possibilidade dos bordados inspirados nas botas, tachas e todo esse universo.
Os anos 70 também surge como referência, onde os jeans surgem descoloridos, com manchas, com recortes ou mesmo os de upcycling com aparência daquela velha calça jeans desbotada que a gente sempre tem na memória. É claro, que aqui os aviamentos vão ser os mais clássicos possíveis como rebites no ouro velho ou preto, zíperes com acabamento mais clássico, sem muita decoração porque sua modelagem e a maneira de ser reconstruído já traz um impacto a partir do visual da própria montagem da peça.
Acho importante a ideia das etiquetas. Vimos formas interessantes de aplicação recentemente, como placas de couro […] Temos uma indústria de identidade denim muito forte e especialista no Brasil, eles têm trabalhado isso de uma forma muito encantadora.
Há uma grande oferta no mercado para entender o que mais combina com meu propósito porque isso é muito importante e, principalmente como marca, pensar para quem estou desenvolvendo meu produto e que tipo de aviamento eu preciso usar naquele momento para encantar esse meu consumidor que até pode estar pensando que não precisa de mais nada. Mas, nós como designers temos que alimentar essa necessidade de consumir algo novo e encantador, que seja necessário nesse momento para as pessoas.
A renovação é uma ideia necessária, passar por essa fase, descobrir um novo caminho, agradecer por estar vivo, de certa forma, já é um momento positivo e um jeans novo, sempre vai dar um novo alento.
Fonte: Vanessa de Castro | Foto: Reprodução