Com Ronaldo Silvestre, ITI leva transformação social através da moda

O que você faria se as lembranças mais caras da sua vida em família e de uma infância feliz estivessem envoltas por um manto de amor e atitudes sustentáveis? E se as melhores lembranças que cultiva da infância tivessem envoltas a uma máquina de costura, responsável pelo sorriso e a transformação da mulher da sua vida, a sua mãe?

Levar o mesmo sorriso para 120 pessoas foi a escolha do protagonista que viveu esta história, o mineiro Ronaldo Silvestre. O estilista preside o Instituto de Igualdade, Transformação e Inovação Social (ITI), uma organização não governamental ativa desde 2009 e que atende um grupo de maioria feminina com trajetórias de vida semelhantes.

“As lembranças que tenho da primeira infância são da minha mãe desmanchando calças doadas pela mineradora para fazer short e camisa, e era o que eu vestia e tinha muito orgulho disso. E eu ia para a escola tão feliz e orgulhoso de mim pois era minha mãe quem tinha feito,” relatou.

Foi desse olhar grato e amoroso que jamais se revoltou com as dificuldades, pelo contrário, enxergou beleza em cada gesto de superação e nasceu o ideal que é propagado pelo Instituto ITI. O nome, criado pelos próprios alunos e professores envolvidos com o projeto, não por coincidência, vai de encontro aos objetivos do milênio pregados pela ONU (Organização das Nações Unidas).

Cumprindo o ideal da sustentabilidade, a maior parte da matéria-prima usada nas aulas do Instituto ITI é doada, com exceção dos aviamentos e tesouras. Em um formato universal que propaga um pensamento reprodutível em qualquer parte do mundo, a organização forma a cada seis meses uma turma com vidas transformadas. Inicialmente nominado de Tecendo Itabira, em quatro anos o projeto que impactou a vida de cerca de 800 pessoas e neste ano, assumiu seu formato atual.

São 60 alunos de manhã e outros 60 no período da tarde, atendidos por vale-transporte. Costura, bordado, bordado em fio, bordado em pedraria, artesanato sustentável (uso de resíduos como auréola de malha, auréolas de pelúcia virando casaco de pele, etc) são alguns dos tópicos abordados no curso que tem carga horária de quatro horas e meia por dia nas segundas, quartas e sextas — ficando as terças e quintas reservadas para atendimentos individuais.

Nas rotinas de aprendizado, os alunos entendem que a pratica é o que leva à perfeição, aprendem a  técnica do viés bordado num tule, entendem a máquina, habituam-se a não olhar para a agulha, e principalmente: trabalham a costura de uma forma que podem visualizar o processo completo.

E através dessa transformação, que é levada pelas comunidades, o Instituto ITI também trabalha como uma semente. Um dos maiores desafios que se colocam para moda brasileira é o entendimento do seu ecossistema e a formação da sua própria identidade, levando em conta um dos seus mais valiosos potenciais: a mão de obra artesanal.

“O artesanal brasileiro está super valorizado no mercado, do luxo ao dia-a-dia”, explica Ronaldo. “Imagina você pegar um bordado de uma senhora do interior de Minas Gerais e colocar nas tuas peças: é uma forma de agregar valor ao trabalho do outro e humanizar o processo das marcas”, defende.

É esta junção dos elos da cadeia, que soma as ideias de uma comunidade à produção de uma grande industria, de acordo com a visão de Ronaldo Silvestre, que trazem a tona dois conceitos muito importantes e completamente monetizáveis para a moda brasileira: a inovação social e a tecnologia social.

“Na prática a inovação social consiste na transformação do rejeito de uma empresa, que não serve para nada e iria para incineração; em uma possibilidade do sustento para uma cadeia invisível dentro da sociedade”, explica. Na etapa do reaproveitamento, a lógica representa uma das soluções em potencial para as empresas que se automatizaram mas não resolveram o dilema dos seus resíduos.

A segunda etapa desta logística, seria a Tecnologia Social, que no setor de moda consiste no principio de pegar algo que não serve para uma empresa. “Como um estoque de tecidos fora de linha, por exemplo, e ressignificá-lo através de processos humanizados, como um rebordado, uma textura, ou algum efeito que possa resgatar seu valor”, explica.

É uma ressignificação que vai além do produto. É o produto além do produto”, apontou Silvestre.

A soma do local, a criatividade de um aprendiz combinada à tecnologia avançada de uma grande empresa, segundo a visão do presidente do Instituto ITI, é o principal desafio a ser vencido para que a economia criativa se torne de fato, sólida. E é aqui, segundo Ronaldo, os dois conceitos, de Tecnologia e Inovação Social se monetizam.

“Uma saia que tem um bordado, um trabalho mais artesanal, tem um valor muito mais expressivo do que uma produção em série”, explicou Ronaldo, exemplificando como uma industria agrega valor ao seu produto através dos conceitos mencionados. “Por outro lado, dificilmente uma roupa de uma comunidade se transforma em objeto de desejo para outros níveis de consumo sem a junção com a visão de um negócio”.

“Um produto lapidado em uma comunidade é transformado em objeto de desejo mundial […] E a economia criativa ganha muito seu valor em cima disso, do respeito a técnica e a junção do manual com o industrial”, concluiu o estilista.

Como meta, o Instituto pretende se expandir em polos instalando-se nas comunidades e criando sedes nos bairros. Por isto, sua busca atual vai além de aviamentos e foca em mais máquinas de costuras, como forma de economizar o transporte e mais uma vez, praticar a sustentabilidade na gestão.

Atualmente, a verba que fundamenta toda essa bela história, vem de empresas apoiadoras de longa data, como a Capricórnio Têxtil, e de recentes parcerias com a Sou de Algodão, Santanense, Dalila Têxtil e Di Valore.

Além disto, há a parceria com a Vale e com a prefeitura de Itabira, que viabiliza as contratações dos funcionários e ajuda em ações como o uso de maquinas silenciosas. Hoje, a instituição está em busca de apoiadores para aviamentos.

 

*Agradecimentos a Ronaldo Silvestre que compartilhou sua visão de moda conosco, e Rosângela Fernandes, gestora de negócios do Guia JeansWear.

 

Fonte: Vivian David | Fotos: Equipe Guia JeansWear.