Resíduos têxteis devem impulsionar futuro circular na indústria

Os resíduos têxteis devem ser a nova matéria-prima da indústria têxtil e vestuário. É o que acredita a Accelerating Circularity, que convocou várias marcas e varejistas para o projeto Textile Exchange, afim de demonstrar a viabilidade da adoção de sistemas circulares neste setor, onde as lacunas são também oportunidades.

Financiado por grandes nomes da indústria, como Gap Inc, Target, VF Corporation, e a The Walmart Foundation, o projeto da Accelerating Circularity foi lançado no início do ano como uma tentativa de acelerar a mudança de um setor têxtil linear para circular.

Inicialmente, o Textile Exchange está focado na pesquisa, no mapeamento e na identificação de oportunidades para guiar as cadeias de aprovisionamento circulares que, por sua vez, vão ser impulsionadas pela reciclagem, química e mecânica, de algodão, viscose, poliéster e resíduos têxteis. Ao incidir nestas três fibras, 80% de toda a produção de fibras têxteis está abrangida.

A análise de pesquisa e mapeamento recentemente lançada, “Circular Supply Chain Potential on the US East Coast”, retrata os efeitos do estudo sobre o potencial das cadeias de aprovisionamento circulares na costa leste dos EUA e responde a questões básicas de porquê, o quê, quando, onde e como os materiais podem fazer parte de um sistema circular de reciclagem têxtil.

A pesquisa inclui ainda perfis dos materiais pós-industriais e materiais pós-consumo “gastos” – a matéria-prima para a reciclagem têxtil – bem como as partes em questão, como os coletores, separadores, pré-processadores e recicladores químicos e mecânicos.

No “Circular Supply Chain Potential on the US East Coast” está também mapeado o estado atual dos operadores nas futuras redes circulares da cadeia de aprovisionamento, já que são eles os “blocos de construção para os modelos circulares do futuro da indústria”.

“Entender os materiais disponíveis, quais são as etapas da cadeia de aprovisionamento em vigor e o que está a faltar nos sistemas circulares têxteis vai acelerar a transição para novos sistemas”, afirma Karla Magruder, presidente da Accelerating Circularity, ao portal Just Style.

“Esta análise aprofundou a nossa consciência de que tudo num sistema circular deve estar conectado para funcionar. Para que tudo esteja conectado, todos temos que participar; é algo que a indústria tem de fazer em conjunto. Ninguém pode fazer tudo sozinho“, explicou.

Principais conclusões

“Estamos gerando muitos resíduos têxteis”, alertam os autores do relatório ao destacar que a região de estudo, a costa leste dos Estados Unidos, representa aproximadamente 7,7 milhões de 16,9 milhões de toneladas de têxteis pós-consumo gastos, anualmente, no país.

“Ao desviar estes têxteis gastos ​​da incineração e dos aterros na nossa região de estudo, podemos baixar as emissões de gases com efeito de estufa (GEE) da indústria têxtil bem como diminuir o uso de materiais virgens”, garantiram.

As marcas e os varejistas que pretendem se tornar mais sustentáveis ao reduzirem o consumo de recursos estão assumindo compromissos para usar materiais reciclados, revela a Accelerating Circularity, salientando que os têxteis usados são a “matéria-prima lógica da indústria”, visto que têm o poder de reduzir o uso de materiais virgens, água, energia e químicos, para evitar competir com outros setores por matérias-primas não-têxteis.

O consórcio indica que dezenas de marcas, desde líderes em sustentabilidade como a Eileen Fisher a potências globais como a Nike, VF Corp, Gap Inc, Target, Asos, PVH, e Inditex, estabeleceram compromissos de conteúdo de produto único para conteúdos 100% reciclados em gamas inteiras.

Compromissos para usar materiais reciclados espelham a procura por produtos reciclados e as respostas do estudo da Accelerating Circularity para marcas e retalhistas mostram um forte interesse e capacidade para produzir produtos circulares específicos no hemisfério ocidental”, apontam os autores do relatório.

Investir em tecnologia emergente de reciclagem é também umas das apostas das empresas, o que se pode traduzir numa oportunidade de 350 bilhões de dólares (mais de R$ 1,8 trilhões) para a região.

Lacunas e oportunidades

Ainda que reconheça os desafios para prosperar, a Accelerating Circularity acredita que as lacunas e as oportunidades são, muitas vezes, perspectivas diferentes da mesma questão. “Por exemplo, o volume do material disponível para reciclagem é uma oportunidade, mas faltam dados a detalhar fibras específicas nesse material. Felizmente, vemos alguma colaboração entre a indústria, o governo e as ONGs para resolver as lacunas. Temos de ser oportunos para impulsionar a indústria a agir“, assegura.

Os autores listaram alguns desafios para se tornarem circulares como o desincentivo, nomeadamente na política, os custos elevados das novas tecnologias de reciclagem, o preço baixo de materiais virgens. Outros desafios são também as questões de comercialização, de escala, disponibilidade das etapas circulares das cadeias de aprovisionamento e, por último, as lacunas de conhecimento, particularmente, as especificações nas classificações e categorizações de recicladores.

No entanto, as próprias lacunas podem ser sinônimo de oportunidades, como a grande quantidade de materiais para matérias-primas, tecnologias para descoloração, separação automatizada de materiais, remoção automatizada de peças duras, reciclagem de misturas químicas e ainda novos modelos circulares de negócios e oportunidades laborais.

Em termos de sustentabilidade, os benefícios são igualmente visíveis na redução das emissões de GEE, na redução do uso de água, dos produtos químicos e da energia e o uso reduzido de materiais virgens.

“A Accelerating Circularity vai usar o conhecimento desenvolvido a partir do nosso estudo para construir modelos de redes circulares de aprovisionamento”, assume o relatório.

“Esses modelos vão integrar as matérias-primas atualmente disponíveis, a infraestrutura de coleta, classificação e pré-processamento e opções de reciclagem comercial, bem como os produtos que as marcas e os varejistas têm como alvo para a produção e aprovisionamento no hemisfério ocidental. Vamos trabalhar para corrigir as lacunas e desenvolver os elos que faltam para as cadeias aprovisionamento existentes”, resume.

Agir para ser capaz

O consórcio lançou também um apelo à ação, para marcas e varejistas, partes interessadas da indústria e recicladores, para fazerem a sua parte ao contribuírem com mais conhecimento, através da partilha de informações e feedback.

“Para desviar os resíduos têxteis de aterros e incineração para coletores, separadores e recicladores, devemos saber o que lá está. As marcas e os retalhistas que partilharem essas informações vão facilitar a recolha, separação e o pré-processamento eficaz e eficiente, enquanto fornecem informações cruciais aos recicladores sobre a disponibilidade de matérias-primas compatíveis. As informações sobre o conteúdo de fibra também são importantes para o trabalho de rastreabilidade, o que impacta a credibilidade de qualquer iniciativa de produção têxtil responsável”, esclarece.

“Com as informações solicitadas, a indústria será capaz de dar passos positivos para alcançar cadeias de aprovisionamento circulares”, realça a Accelerating Circularity.

Fonte: Portugal Têxtil | Fotos: Reprodução