Possível redução de tarifas no vestuário de inverno causa polêmica no setor

De um lado, temos o consumidor, que quer se vestir bem por um preço acessível e muitas vezes não se sente atendido pelo mercado doméstico. Do outro, o lojista, que percebe que está deixando de fazer negócios devido às faixas de preços incondizentes com o poder de compra da sua clientela mais fiel, a classe C.

Acima disto, temos na indústria de moda nacional uma uma produção de vestuário que, só no primeiro trimestre do ano passado, chegou a 1,2 bilhões de peças no acumulado. De acordo com dados do IEMI — Inteligência de Mercado, e que emprega cerca de 1,5 milhões de empregados diretos, dos quais 75% são de mão de obra feminina.

Uma mão de obra valiosa, que está a postos para resolver os dilemas envolvendo oferta e demanda do nosso país. Neste triângulo de relações, mesmo quando não há consenso aparente, estamos todos do mesmo lado: o do melhor custo-benefício e o das relações de produção e comércio mais sustentáveis.

É este dilema que tem levado muitas associações e indústrias de moda nacionais a questionar a eficácia do pleito para redução de alíquota de importação sobre produtos de vestuário de inverno, colocado em caráter emergencial pela Associação Brasileira de Varejo Têxtil (ABVTEX) no final do ano passado, junto à Camex.

A solicitação é que que os atuais 35% sejam reduzidos para 16% já no primeiro semestre deste ano, e permaneçam vigentes durante doze meses. A indústria da moda nacional, em peso, tem manifestado repúdio à iniciativa. A variação em percentuais frente a um ano atrás mostra queda na produção em -4,3%, importação com mais 8% e exportação menor, da ordem de -19,6%.

O temor maior é de que a mudança nestes percentuais favoreça a entrada de produtos criados na China, Bangladesh, Tunísia e Paquistão, e que essa concorrência desleal impacte negativamente o setor nacional de malharia.

José Altino Compre, presidente da Sintex, é um dos nomes que se posiciona contra a redução da alíquota. Segundo ele, os custos Brasil mais elevados não se limitam a impostos. Os problemas reais são as exigências de NRs, as cotas, e os custos ambientais e relativos a segurança, que são indiretos. “Muitas matérias-primas, base de roupas de inverno também são importadas e isto encarece produzir aqui”, explica.

A consequência dessa redução de impostos, segundo José Altino, impactaria principalmente as malharias retilíneas. “Entendemos que as indústrias nacionais precisam de condições iguais para competir, o que pode atender aquilo que a ABVTEX está pleiteando, fazendo com que a própria instituição exija dos produtores externos as mesmas condições que são exigidas das indústrias nacionais”, recomenda.

Antonio Manzarra, diretor da Santana Textiles e integrante da Associação da Indústria e Comércio de Toritama, alerta que a base de estudos utilizada pela ABVTEX para a recomendação da mudança na tarifa é defasada. “A ABVTEX está baseando suas ações em um estudo envolvendo consumo e flutuação de taxa cambial do ano de 2018. […] Eles teriam que refazer este estudo, pois de 2018 para cá, foram muitas as mudanças”, explica.

Eduardo Christian, CEO da Black West, alertou, em vídeo público, o risco de que a mudança facilitando as taxas de importação nas roupas de inverno, além de prejudicar o setor de malhas, abra caminho para competição desleal de peças de vestuário de outros setores, como moda praia e lingerie. Isto  prejudicaria a indústria da moda nacional como um todo.

Em tempos onde a atitude do consumo consciente e cresce mesmo nas classes mais modestas de consumo, a redução pode implicar em um mal passo até mesmo par os lojistas. A busca por transparência é uma direção de mercado mesmo para grandes varejistas e lojas multimarcas. Da mesma forma, a tecnologia otimiza os recursos empregados para criação das roupas.

A invasão de produtos baratos e sem procedência, desprovidos de transparência, contribuiria para um atraso tanto na imagem destes distribuidores, quanto numa indústria que tem se esforçado em superar toda sorte de limitações.

Sabemos que a moda de inverno não é a produção mais significativa do nosso país, mas ela se organiza desta forma justamente por atender proporcionalmente a uma demanda menor. Marcas de jeans brasileiras, em especial, incluem regularmente em seu mix jaquetas, casacos e moletons. Representantes comerciais, sabiamente encontram os caminhos para promover o encontro destes artigos ao consumidor final.

E se as peças poderiam ser mais acessíveis, cabe examinar todos os caminhos que agregam custos durante sua manufatura, encontrando meios de aquecer e atrair mais indústrias para produção desse tipo de produto.

Fonte: Vivian David | Foto: Reprodução